Experiência de vida
Com 20 anos de idade, a jovem Heliane Custódio fala sobre a importância da presença da pastoral carcerária dentro da penitenciária do 3º distrito, onde ela está detida há 10 meses. Heliane afirma que, pelo fato de não ter nada em que se apegar, a visita dos voluntários da pastoral se torna uma fonte de ânimo e esperança, e quando eles não aparecem, ela sente falta daquele momento de amizade que já vai se formando.
Heliane se lembra do tempo em que estava em liberdade e conta que freqüentava a igreja católica, mas que, em virtude das circunstâncias acabou se afastando. A pastoral, segundo ela, trouxe muitas coisas boas, e uma delas foi o hábito de voltar a ler a bíblia, que agora ela faz com mais frequência do que antes.
Mais do que uma companhia dentro do cárcere, a pastoral carcerária fez com que Heliane visse as coisas de outra forma e hoje ela afirma que vai ser diferente quando sair. Heliane aceita sua realidade, e acredita que tudo isso fez parte de um crescimento para ela, e que ela teria que passar por essa grande experiência.
Todo esse trabalho da pastoral é refletido da personalidade de Heliane, que afirma que gosta de conversar e conquistar as pessoas que não a conhecem. Essa influência positiva, com certeza ultrapassa várias barreiras, e chega ao coração de muitas outras mulheres, que enxergam na Pastoral uma nova esperança, um novo recomeço.
Karina Giorgiani
------------------------------------------------------
Publicado em 03/03/2010
Como é a volta à sociedade para um ex-detento?
O processo de reabilitação em meio à sociedade se demonstra como uma das piores fases para quem andou lado a lado com o crime. Quando livres, a maioria dos ex-detentos não encontra possibilidades de voltar ao convício social e, com uma ficha sempre marcada pelos atos que cometeu, acaba encontrando no próprio crime o único caminha a seguir.
Em entrevista, RPA, que por questões pessoais preferiu não se identificar, conta um pouco a respeito dos sentimentos que teve ao sair da cadeia e se deparar com a sociedade novamente. RPA esteve encarcerada por um ano e nove meses no 3° distrito policial de Londrina, para onde são levadas mulheres com delitos dos mais variados.
PERGUNTA: Como foi voltar para a sociedade, encontrar as pessoas novamente e se deparar com uma situação na qual você precisava de um emprego e não tinha muitas opções?
RESPOSTA: Foi difícil o recomeço. Agora já tem um ano e dois meses. No começo minha casa estava alugada e eu voltei para a casa de um parente, e não foi legal porque no começo pareciam que tinham só tirado as grades da minha frente, o resto estava tudo igual. Foi aí que entrou a pastoral com ajuda monetária, porque é um absurdo uma pessoa que sai com uma mão na frente e outra atrás, derrotado psicologicamente, perdido e sem saber até como andar na rua, ter que pagar uma cesta básica de R$ 24,00. E neste período a pastoral esteve o mais presente possível.
P: Mas você já conhecia a Pastoral?
R: Sim, de dentro da cadeia. No começo, lá para mim foi muito difícil e principalmente a D. Edna e o Railson me pssaram muita humanidade. Eles não tinham medo dos encarcerados, chegavam perto e conversavam. Outra coisa que é difícil lá dentro é você sair num médico ou num dentista algemada e ter alguém rindo de você. Então, eles ajudaram nisso. Eles levavam kits de higiene pessoal, bloco de anotações, caneta...
P: São coisas que a cadeia não oferecia?
R: Não, quando muito fornece cesta básica, mas é um kit de um ou dois produtos para eles distribuírem para as mais carentes lá dentro, porque, geralmente, tem superlotação. Então, é um monte de pessoas ociosas, e a maioria sem informação nenhuma. Se você não tiver uma tábua de salvação, um apoio, não dá. É um inferno em vida, não corrige ninguém e castiga de uma forma cruel e sem crescimento nenhum.
Neste momento, Rute fala das oportunidades que as casas de detenção poderiam oferecer para as mulheres que estão encarceradas, como cursos voltados para as áreas de costura e artesanato, para que elas possam obter algum tipo de capacitação profissional.
P: E a aqui fora, no que você trabalha e o que você conseguiu conquistar?
R: Agora eu trabalho como diarista, uma ou duas vezes por semana, e faço costura, consertos em roupas. Eu já era costureira antes de entrar (para a prisão), mas quando eu fui presa eu estava fazendo um curso de especialização e aperfeiçoamento em alta costura. Mas eu passei muito tempo inativa, eu precisava praticar pelo menos uns seis meses num curso para poder falar: “agora pode deixar que eu sei montar certinho, nos mínimos detalhes de alta costura’.
P: E como você se sente hoje?
R: A pastoral me deu muita força, até psicológica, porque é difícil ser aceita de volta. Só quem me conhecia antes é que me ajuda. Poucos amigos vieram na minha casa. É como eu falava na cadeia: ‘cadê meus amigos, que antes a minha casa vivia cheia?’. Muita gente demorou para vir e quando voltou eu aceitei normal, porque eu não sei como seria a minha reação também, se fosse ao contrário...É difícil. As condições do regresso, do retorno... tem que ter força de vontade. Muitas (das pesas) que eu já encontrei na rua estão no crime, estão na “vida louca” ou, infelizmente, já voltaram para a cadeia.
Karina Giorgiani